quarta-feira, 1 de abril de 2009

AS COCADAS - Cora Coralina

"Gostei muito deste texto. Boa Releitura!"

Eu devia ter nesse tempo dez anos. Era menina prestimosa e trabalhadeira à moda do tempo.Tinha ajudado a fazer aquela cocada. Tinha areado o tacho de cobre e ralado o coco. Acompanhei rente à fornalha todo o serviço, desde a escumação da calda até a apuração do ponto. Vi quando foi batida e estendida na tábua, vi quando foi cortada em losangos. Saiu uma cocada morena, de ponto brando atravessada de paus de canela cheirosa. O coco era gordo, carnudo e leitoso, o doce ficou excelente. Minha prima me deu duas cocadas e guardou tudo mais numa terrina grande, funda e de tampa pesada. Botou no alto da prateleira. Duas cocadas só... Eu esperava quatro e comeria de uma assentada oito, dez, mesmo. Dias seguidos namorei aquela terrina, inacessível. De noite, sonhava com as cocadas. De dia as cocadas dançavam pequenas piruetas na minha frente. Sempre eu estava por ali perto, ajudando nas quitandas, esperando, aguando e de olho na terrina. Batia os ovos, segurava gamela, untava as formas, arrumava nas assadeiras, entregava na boca do forno e socava cascas no pesadoalmofariz de bronze. Estávamos nessa lida e minha prima precisou de uma vasilha para bater um pão-de-ló. Tudo ocupado. Entrou na copa e desceu a terrina, botou em cima da mesa, deslembrada do seu conteúdo. Levantou a tampa e só fez: Hiiii... Apanhou um papel pardo sujo, estendeu no chão, no canto da varanda e despejou de uma vez a terrina.As cocadas moreninhas, de ponto brando, atravessadas aqui e ali de paus de canela e feitas de coco leitoso e carnudo guardadas ainda mornas e esquecidas, tinham se recoberto de uma penugem cinzenta, macia e aveludada de bolor. Aí minha prima chamou o cachorro: Trovador... Trovador... e veio o Trovador, um perdigueiro de meu tio, lerdo, preguiçoso, nutrido, abanando a cauda. Farejou os doces sem interesse e passou a lamber, assim de lado, com o maior pouco caso. Eu olhando com uma vontade louca de avançar nas cocadas. Até hoje, quando me lembro disso, sinto dentro de mim uma revolta – má e dolorida - de não ter enfrentado decidida, resoluta, malcriada e cínica, aqueles adultos negligentes e partilhado das cocadas bolorentas com o cachorro.
CORA CORALINA

Atividades sugeridas:
Leitura individual e silenciosa.
Leitura oral - Alunos lêem silenciosamente;- Professora ou um aluno lê para a turma.
Trabalhar a oralidade com perguntas como:
Quem gosta de cocada?- Quem sabe, ou já viu como se faz cocadas?- Que ingredientes são usados?- Quantas cocadas você agüentaria comer?- O que faria para comer mais uma cocada, caso estivesse na situação da personagem e o desejo de comer não fosse totalmente satisfeito?
Usando o dicionário:- Procure o significado das palavras abaixo:

prestimosa
areado
tacho
rente
escumação
losangos
terrina
inacessível
piruetas
quitandas
almofariz
lida
deslembrada
bolor
perdigueiro
nutrido
resoluta
negligentes
bolorentas

Construir uma história em quadrinhos baseado no texto.

Receita: vamos fazer umas cocadas?

Pesquisar sobre a autora: Cora Coralina.


Fonte: http://leiturativa.blogspot.com/search?q=cora+coralina

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